As crianças não brincam mais nas ruas do bairro.
Isso prejudica seu desenvolvimento – e o da sociedade
POR Denis Russo Burgierman
Tem uma coisa terrível
acontecendo nas nossas cidades: as crianças sumiram das ruas. Não há
mais meninos brincando de pega-pega nas calçadas, derrubando embrulhos
dos passantes. A trilha sonora do espaço público não é mais pontuada
pelos gritos agudos da molecada. Não há mais garotos e garotas passando
de bicicleta ou de patinete.
Mas o mais assustador é a
sensação de que quase todo mundo acha normal que seja assim. O trânsito e
a calçada foram ficando cada dia um tiquinho mais violentos, até que
chegamos ao ponto em que um pai ou uma mãe que permita que o filho
pequeno saia sozinho hoje é tido pela vizinhança como um maluco
irresponsável.
O que não estamos percebendo é
que as consequências desse êxodo infantil são muitas, e muito graves.
Sem crianças, as ruas tendem a ficar ainda mais perigosas. Afinal, onde
há crianças há também pais e mães espiando de longe pela janela – um
fator essencial para a segurança do espaço público. Sem falar que nós,
humanos, somos geneticamente programados para ter cuidado quando há
crianças pequenas por perto. Sua ausência embrutece a rua para todo
mundo.
Além de piorar a segurança, a
fuga das crianças afeta a saúde da população, em diferentes faixas
etárias. Pesquisas mostram que um moleque que anda de bicicleta por meia
hora ao dia reduz dramaticamente suas chances de sofrer das chamadas
“doenças de estilo de vida” (diabetes, câncer, doenças cardíacas, entre
outras).
Não brincar na rua atrapalha até o desenvolvimento cognitivo da
gurizada. É bem sabido que crianças que só se locomovem de carro
prejudicam suas capacidades espaciais e sociais. Uma pesquisa feita na
Holanda mostrou que alunos que vão à escola a pé ou de bicicleta prestam
mais atenção na aula e aprendem mais.
Semana passada instalei uma cadeirinha na minha bicicleta e fui
pedalar com Aurora, minha filhota de 1 ano. Saí de casa morrendo de
medo, claro, afinal o trânsito já é assustador para mim. Mas, assim que
dobrei a primeira esquina, vi a imagem dela refletida numa vitrine e
percebi sua expressão de maravilhamento. Ficou claro para mim que é
minha obrigação como pai expô-la à rua. É parte de seu desenvolvimento,
assim como aprender a comer, a andar, a se relacionar.
Naquele dia, passeando pela
cidade, vi vários sinais de que a população está retomando o espaço
público. Voltei para casa no final da tarde, com Aurora exausta e feliz,
e a esperança de que ela vai crescer numa cidade em cujas calçadas será
possível brincar.
DENIS RUSSO BURGIERMAN é diretor da revista Superinteressante.
Revista Vida Simples, Set/2014, edição de Mobilidade, p.64